O nome de Urquiza foi chancelado pelos países-membros da organização na 92ª Assembleia Geral da Interpol, que está sendo realizada em Glasgow, no Reino Unido. Ele havia sido indicado em junho pelo comitê executivo da entidade. (Clique aqui para ler discurso do brasileiro na íntegra)
Dos 196 países-membros, 153 votaram na Assembleia Geral. Destes,145, representando 96% dos presentes, aprovaram o nome de Urquiza. Seis países votaram contra o brasileiro e dois se abstiveram.
Ao longo de seus 101 anos de história, a instituição teve oito secretários-gerais: um austríaco, quatro franceses, um britânico, um alemão e um norte-americano. O brasileiro será o primeiro cidadão de um país em desenvolvimento a chefiar o órgão. Quem deixa o cargo é o alemão Jürgen Stock, que assumiu o posto em 2014.
Urquiza assume o comando no começo de 2025. O mandato é de cinco anos, podendo ser renovado por mais cinco. Ele irá se mudar com a família para Lyon, na França, onde fica a sede da instituição.
Em agosto, em entrevista ao g1, o delegado contou quais serão suas prioridades a frente da organização. Ele disse que terá como foco combater, em escala global, o abuso infantil on-line e levar, aos países em desenvolvimento, novas tecnologias de combate ao crime. "Um dos temas que mais tem se destacado é justamente a exploração sexual de crianças através da internet. E isso exige uma resposta global", afirmou.
Além disso, ele acredita que a experiência da PF o levará a melhorar a eficiência da gestão da organização.
“A Polícia Federal consegue alcançar muito com poucos recursos. É um nível de eficiência acima da média, e o comprometimento dos profissionais também é bem acima da média.”
Nascido em São Luís, no Maranhão, e filho de um bacharel em direito, Urquiza graduou-se no mesmo curso em Fortaleza e ingressou na PF em 2004 por concurso. Em 2007, de volta a São Luís, iniciou as atividades na corporação à frente da delegacia de crimes ambientais.
O interesse pela carreira dedicada à cooperação internacional surgiu quando Urquiza se deparou com crimes que envolviam a atuação de criminosos em vários países, como fraudes cibernéticas e lavagem de dinheiro.
Em 2015, o delegado assumiu o escritório nacional da Interpol no Brasil, em Brasília. Três anos depois, transferiu-se para a sede da organização na França, onde atuou como diretor-adjunto para comunidades vulneráveis e diretor de combate ao crime organizado na Secretaria-geral. Ao retornar ao Brasil, em 2021, voltou a trabalhar com cooperação internacional na PF e foi eleito vice-presidente das Américas do Comitê Executivo da Interpol.
"E essa candidatura que ocorreu em seguida [para secretário-geral] foi uma decorrência natural desse processo", afirmou Urquiza, em entrevista por videochamada ao g1 em agosto.
Interpol foi criada para evitar fuga de criminosos por carro, trem e avião
Em abril de 1914, advogados e policiais de 24 países se reuniram em Mônaco, na Europa, a convite do príncipe Alberto I. O grupo estava preocupado com criminosos que se aproveitavam do progresso dos carros e da aviação para fugir do país e escapar da Justiça. Surgiu, ali, uma ideia que acabou sendo adiada por causa da 1ª Guerra Mundial e se concretizou nove anos mais tarde: a criação da Organização Internacional de Polícia Criminal, a Interpol.
O desenvolvimento dos transportes naquele início de século 20 intensificou não só transporte de pessoas, mas também de mercadorias – o que, naturalmente, ampliou as oportunidades para a ocorrência de delitos.
Conheça a história da Interpol e a relação com o Brasil
Em setembro de 1923, desta vez em Viena, na Áustria, a instituição de fato foi criada, com o nome de Comissão Internacional de Polícia Criminal (CPIC).
Em 1956, a entidade aprovou um novo estatuto e foi rebatizada como Organização Internacional de Polícia Criminal (OIPC-Interpol), nome que leva até hoje.
Desde a criação da Interpol, o número de membros cresceu significativamente. Dos 20 fundadores em 1923, a organização passou a ter 50 países membros em 1955, 100 em 1967, 150 em 1989 e, em 2023, alcançou 196 países-membros.
Com Urquiza, o Brasil chegará pela primeira vez ao cargo mais alto da instituição, mas a relação com a organização de cooperação mundial tem mais de 70 anos: o país é membro desde 1953, quando o ingresso foi aprovado na Assembleia Geral de Oslo, na Noruega.
No entanto, durante a Ditadura Militar, por volta de 1980, o Brasil se retirou da organização, retornando em 1986, no contexto da redemocratização.
Muito além do 'alerta vermelho'
Quando se ouve falar da maior organização policial do mundo, uma das primeiras associações que vêm à mente são as notificações internacionais emitidas para localizar e prender pessoas procuradas ao redor do planeta - o alerta vermelho.
Além da "difusão vermelha" (o termo técnico e oficial), a Interpol conta, por exemplo, com a difusão amarela, para pessoas desaparecidas, e a negra, para informações sobre cadáveres não identificados.
MODERNIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO: De sistema de registros em cartolina à 19 bancos de dados à disposição das polícias do mundo
Íntegra do discurso
Excelências,
Senhor Presidente, Senhor Secretário-Geral, distintos membros do Comitê Executivo, Honoráveis Ministros, Chefes de Polícia, Chefes dos NCBs, meus estimados colegas,
Antes de começarmos, quero agradecer aos nossos anfitriões, o Reino Unido, por nos receberem com tanta cordialidade e generosidade. Este belo local e a hospitalidade estendida a cada um de nós refletem não apenas sua gentileza, mas também seu firme compromisso com a missão e os valores da INTERPOL.
Também quero aproveitar este momento para reconhecer e expressar minha gratidão ao Secretário-Geral Jürgen Stock. Sob sua liderança, a INTERPOL enfrentou e superou alguns dos desafios mais complexos da história recente. A dedicação, visão e integridade do Secretário-Geral Stock fortaleceram a organização, deixando um legado duradouro que nos guiará adiante.
Senhoras e Senhores,
Estou profundamente honrado em estar diante de vocês hoje. Ao olhar para esta reunião, sou lembrado do papel vital que a INTERPOL desempenha em nosso mundo.
Nosso trabalho compartilhado, nossa unidade de propósito—isso importa. As ameaças que enfrentamos não estão contidas dentro de fronteiras; elas se estendem por continentes e evoluem constantemente. O crime transnacional tornou-se mais sofisticado, mais complexo, mais evasivo. E, em resposta, a INTERPOL também precisa se adaptar, tornando-se mais ágil, mais inovadora, mais inclusiva.
Enquanto nos reunimos aqui hoje, refletimos sobre os sucessos que nos enchem de orgulho. Mas também sabemos que a jornada está longe de terminar. O caminho à frente é desafiador, e exigirá nossa dedicação, resiliência e compromisso com uma missão que nos une a todos: um mundo mais seguro e mais pacífico. Honramos nossas conquistas passadas construindo uma organização que está pronta para enfrentar os desafios de amanhã.
Ao refletir sobre meus anos de serviço na Polícia Federal Brasileira e meu compromisso de uma década com a INTERPOL, estou cheio de um profundo senso de propósito e uma visão clara para o futuro desta organização vital. Servir ao lado de alguns dos profissionais de aplicação da lei mais dedicados do mundo no Secretariado Geral e no Comitê Executivo tem sido uma experiência humilde e reforçou meu compromisso com os valores que a INTERPOL representa.
Com esse senso de dever e propósito, estou diante de vocês com uma visão para a INTERPOL—uma que seja diversa, transparente, neutra e pronta para o futuro. Se tiver a honra de servir como próximo Secretário-Geral da INTERPOL, estou comprometido com uma visão que aumente nossa eficácia, impulsione a inovação e construa capacidade em nossos Países Membros.
Essa visão se baseia em três pilares.
Primeiro, no mundo de hoje, a tecnologia não é um luxo—é uma necessidade. Para acompanhar as ameaças que enfrentamos, a INTERPOL deve ser proativa, integrando novas tecnologias que avancem nossa missão. Inteligência artificial, big data, análises preditivas—essas ferramentas não são apenas palavras da moda; são essenciais para tornar nosso trabalho mais eficaz. Precisamos fornecer às forças policiais em todo o mundo os recursos, as estruturas e o suporte para gerenciar e analisar dados, compartilhar informações rapidamente e se manter à frente das tendências criminosas.
Segundo, para ser eficaz, a aplicação da lei precisa ser inclusiva. A INTERPOL tem a obrigação de representar todas as vozes, de todos os cantos do mundo. Devemos promover a diversidade, empoderar vozes sub-representadas e trazer todos os Países Membros para a mesa.
Uma INTERPOL forte é aquela que inclui todos. Quando respeitamos e elevamos perspectivas diversas, obtemos uma abordagem mais clara e abrangente para a segurança global. E juntos, estaremos melhor preparados para enfrentar os desafios de hoje de frente.
Terceiro, para que a INTERPOL prospere, ela deve se manter nos mais altos padrões de integridade e responsabilidade. A transparência constrói confiança, e a confiança constrói força. Precisamos de sistemas robustos para garantir que os canais da INTERPOL nunca sejam mal utilizados, que nossas ações reflitam nossos valores e que protegemos nossos dados com vigilância. Ao reforçar nosso compromisso com a transparência e a segurança dos dados, salvaguardamos a integridade e a credibilidade da INTERPOL. Somos responsáveis perante nossos Países Membros e nossas comunidades, e devemos agir de maneiras que reflitam essa responsabilidade.
Finalmente, ao abraçarmos essa missão, também devemos pausar para reconhecer e renovar nosso compromisso com aqueles que a sustentam—os homens e mulheres da INTERPOL, que dão tudo de si para proteger nossas comunidades e salvaguardar nossos valores. Esses indivíduos não trabalham apenas para a INTERPOL; eles são a INTERPOL. Sua dedicação, seu sacrifício, sua coragem são os pilares sobre os quais nosso sucesso se sustenta. É por isso que estou determinado a expandir nosso investimento em treinamento, suporte e desenvolvimento. Seu sacrifício, seu serviço e sua segurança serão valorizados em cada passo do caminho.
Senhoras e Senhores, Caros colegas,
O caminho à frente é desafiador, mas também está cheio de um tremendo potencial. Enquanto olhamos para o futuro e a tarefa de nomear nosso próximo Secretário-Geral, estou diante de vocês pronto para servir, pronto para liderar e pronto para construir uma INTERPOL mais forte.
Se eu tiver a honra de contar com sua confiança para liderar esta organização, serei um Secretário-Geral para todos—africanos, americanos, árabes, asiáticos e europeus. Para cada um de nossos países membros. Porque, no final das contas, estamos nisso juntos, unidos como um só, e é através de nossa unidade que encontramos nossa força.
Meu compromisso é moldar uma INTERPOL que não apenas atenda às demandas de hoje, mas que antecipe e se prepare para os desafios de amanhã.
Juntos, podemos construir uma INTERPOL que sirva como um farol de esperança e segurança, ombro a ombro com cada força policial, em cada país, para criar um mundo mais seguro para todos.
Obrigado, merci, gracias, shukram.
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