Uma reportagem publicada no site 'O Antagonista', que analisa os depoimentos de Marcelo Odebrecht, Luiz Antônio Mameri, Jorge Barata e Antônio Palocci, cruzando-os com as evidências reunidas pela Lava Jato no Brasil e em sua ramificação no Peru, ganha respaldo na reportagem de Malu Gaspar publicada nesta sexta-feira, 18, no jornal O Globo . A matéria apresenta investigações inéditas sobre os laços entre a Odebrecht e o ex-presidente peruano Ollanta Humala, assim como sua esposa, Nadine Heredia. Essas informações foram originalmente apuradas pela jornalista para um livro sobre a construtora, mas ainda não haviam sido divulgadas até então.
“Se pudesse escolher, Barata não daria nenhum peso peruano à candidatura. Só estava ali por ordem de Marcelo Odebrecht, que por sua vez atendia a um pedido dele mesmo: Lula”, confirma Gaspar.
A história ganhou ainda mais relevância agora, uma vez que o petista concedeu asilo político a Nadine no Brasil, depois que ela e o marido foram condenados pela Justiça do Peru a 15 anos de prisão por receberem e lavarem US$ 3 milhões provenientes da Odebrecht para a campanha presidencial de Humala, do Partido Nacionalista.
O azarão turbinado
“A legenda esquerdista, fundada por ele mesmo cinco anos antes, nunca tinha vencido uma eleição presidencial. E, por um bom tempo, pareceu que não seria desta vez. Humala começara a campanha como azarão, no início de 2010, e passara quase todo o tempo em quarto lugar nas pesquisas, atrás de Alejandro Toledo, Luis Castañeda e Keiko Fujimori. Mas quando Barata visitou Nadine, a vitória de Humala já não era mais uma possibilidade remota”, explica a reportagem.
“Antes de chegarem ao que efetivamente interessava — o momento em que Nadine abria o armário, pegava a mochila de Barata e despejava lá dentro os muitos maços de dinheiro —, conversavam um pouco sobre política.
(…) Em 2011, Nadine Heredia e Jorge Barata eram duas das figuras mais poderosas do Peru. Formada em Comunicação Social e doutora em Ciências Políticas na Sorbonne, ela ajudara a fundar o partido e tinha sido fundamental na ascensão de Humala. Já Barata fizera a Odebrecht se tornar a maior empreiteira em atividade no país e era visto pelo empresariado local como uma espécie de ‘fazedor de reis’.
Como a lei peruana não permite doações de empresas, todo o dinheiro que a Odebrecht dava à campanha era caixa dois, entregue em espécie ou em forma de pagamento por serviços. Em ambos os casos, era Barata quem cuidava de tudo. Antes de começar a levar dinheiro vivo a Nadine, ele já havia mandado o time do Departamento de Operações Estruturadas depositar pouco mais de 1 milhão de dólares nas contas dos marqueteiros, os brasileiros Valdemir Garreta e Luis Favre, que faziam a campanha de Humala por indicação de João Santana.”
Os marqueteiros compartilhados
Como O Antagonista havia mostrado na quinta-feira, Valdemir Garreta, da FX Comunicações, é o ex-marqueteiro petista para quem Marcelo Odebrecht mandou Mameri dizer que “o acerto pra campanha de Humala foi com o Palocci e Lula”.
Luis Favre, conforme destaca O Antagonista, é, a rigor, um argentino naturalizado francês com estreitas conexões ao PT. Ele atuou nas campanhas de Marta Suplicy e de Lula em 2002, além de ter participado das campanhas de Dilma Rousseff e Aloysio Mercadante em 2010. Em parceria com Duda Mendonça, também prestou serviços para o governador de Córdoba, na Argentina, José Manuel de la Sota. Entre 2003 e 2009, Favre foi casado com Marta Suplicy.
Em outubro de 2000, Antônio Palocci afirmou que já conhecia Favre havia cerca de 20 anos. “Integrávamos a corrente O Trabalho, da 4ª Internacional”, declarou Palocci, referindo-se à organização revolucionária presente em aproximadamente 50 países, que nos anos 1970 impulsionou no Brasil o grupo estudantil de extrema esquerda Liberdade e Luta, conhecido como Libelu. No PT, essa vertente era identificada como O Trabalho.
O Papo Antagonista destacou na quinta-feira que os recursos provenientes da Odebrecht, assim como ocorreu com João Santana e sua esposa, Mônica Moura, no caso da Venezuela, sustentavam marqueteiros que o PT compartilhava com aliados latino-americanos, visando consolidar lideranças nos respectivos países onde o partido tinha interesse em ampliar sua influência.
Um trecho do Globo aborda a estratégia de marketing adotada no Peru:
“Ex-capitão do Exército, com uma rebelião militar e uma tentativa de golpe no currículo, Humala vinha trabalhando para reverter a imagem de estatista radical. Barata duvidava que algo tivesse mudado, mas tinha que conferir pessoalmente.
No Peru, os marqueteiros Garreta e Favre recorreram ao expediente já testado por Lula no Brasil em 2002 e ofereceram aos eleitores um Humala ‘paz e amor’, com direito até à uma ‘Carta ao povo peruano’ para acalmar o mercado. Na conversa com Barata, Humala seguiu o script. Disse que não planejava nenhuma medida estatizante e que não havia razão para preocupação, porque ele tinha todo o interesse no crescimento do país.
Garantiu que, se ganhasse, continuaria o programa de liberalização econômica de Alan García, sem traumas ou radicalismos. Ao final, mandou um recado para Marcelo: ‘Agradeça a ele por mim’.”
O dinheiro vivo para Nadine
Apesar dos depósitos para os marqueteiros, a reportagem conta que, “em determinado momento”, “Nadine disse que estava precisando de dinheiro em espécie, no Peru”.
“Para atendê-la, o Operações Estruturadas passou a enviar os recursos a Lima por doleiros. A cada duas semanas, mais ou menos, aterrissavam na mesa de Barata uns US$ 200 mil ou US$ 300 mil, que ele punha na mochila e levava ao apartamento. Os desembolsos eram debitados da planilha Italiano, em uma rubrica que o próprio Marcelo Odebrecht batizara de ‘Programa OH’.”
Italiano, relembra O Antagonista, era o codinome de Palocci na Odebrecht que também batizava a ‘conta-corrente’ associada a ele para pagamentos efetuados pelo setor de Operações Estruturadas, depois conhecido como ‘departamento de propina’.
“Conforme a campanha avançava, a direita se dividia e as chances do esquerdista [Humala] aumentavam. No final de abril, ele teve 31,69% dos votos no primeiro turno. Venceu as eleições, em junho, com 51,4% dos votos.
O primeiro país que Humala visitou depois disso foi o Brasil. Foi recebido em Brasília por Dilma Rousseff e, em São Paulo, por Marcelo Odebrecht e seu time.”
Os frutos da vitória
Neste encontro, “Humala e Nadine ouviram Marcelo contar a história da Odebrecht no Peru, citando empreendimentos e valores que ele parecia desconhecer. Até que se falou da licitação do segundo trecho do metrô de Lima, vencida pela Odebrecht, no consórcio com a peruana Graña y Montero.
A concorrência estava sob bombardeio no Peru, entre outras razões porque havia sido decidida nos estertores do governo Alan García, dias antes do segundo turno das eleições. A revelação de que a Odebrecht havia doado uma estátua do Cristo Redentor para um parque construído por García nos arredores de Lima incendiou o clima político.
Muita gente, inclusive Humala, achava que o correto seria anular a licitação e fazer outra – algo que, evidentemente, a Odebrecht rechaçava. (…) Começou uma discussão em que Marcelo e Barata defendiam que o resultado havia sido limpo, e Humala expressava descrença. Como não interessava a ninguém que o jantar terminasse em briga, foram mudando de assunto e deixaram a licitação do metrô para lá.
Atento ao fato de Nadine não ter demonstrado nenhum interesse pelos assuntos das mulheres e à constância com que Humala se socorria dela com o olhar antes de dar uma opinião, Marcelo comentou com Barata, quando o casal foi embora: ‘Ali quem manda é ela’.
Ao final, o contrato do metrô foi mantido.”
Segundo 'O Antagonista', a Odebrecht teria utilizado dinheiro em espécie para agradar Nadine, esposa de Ollanta Humala, então presidente do Peru. De acordo com Marcelo Odebrecht, Nadine exercia forte influência sobre o marido, e a estratégia teria assegurado à construtora a continuidade de contratos públicos no país — prática semelhante à adotada no Brasil durante os governos do PT. O apoio financeiro à campanha de Humala acabou resultando em ganhos significativos para a empresa durante sua gestão.
No Brasil, a Odebrecht foi a maior financiadora do Instituto Lula e também arcou com os custos de supostas palestras do atual presidente entre 2011 e 2014, período em que o PT ainda estava no poder. Ao todo, foram pagos R$ 7,678 milhões, sendo R$ 4,6 milhões destinados ao instituto e R$ 3,013 milhões à LILS Palestras e Eventos — empresa de Lula que leva as iniciais de seu nome, Luiz Inácio Lula da Silva.
0 تعليقات
Antes de comentar qualquer matéria leia as regras de utilização do Portal. Qualquer comentário que violar as regras será automaticamente excluído por nossa equipe. É proibido inserir links (urls) dentro do comentário, caso contrário o mesmo será deletado por nossa equipe.